terça-feira, 1 de dezembro de 2015

Casa vazia

olho as velharias espalhadas pelo chão
uma xícara de café,
lençol, colchão, travesseiro

não preciso de muito mais que isso.
(pra sobreviver,
porque ser feliz é outra história)

parando pra pensar é que descubro:
"ora, sou mesmo o macalesco faquir da dor!"

abaixo, levanto, corro, paro, olho a cidade pela janela,
se quer saber, ainda quero ouvir sua voz
não guardo mágoa
que não sou dessas coisas
(talvez só um pouco)

meu bem, a desintoxicação leva tempo, 
agora entendo.
a paixão também
mas aceito sim as desculpas nunca dadas
pelo sonho interrompido

venha sim fazer aquela visita nunca prometida,
venha de trança ou cabeça raspada,
nua ou bem vestida, não sei, mas venha

só não fique muda,
que muda não se fica,

que muda não se cresce sozinha.

sexta-feira, 23 de outubro de 2015

Perene

aquilo que acordo de manhã
é o que sou durante a tarde e
que não muda quando vem a noite.

sou perene, mesmo sem querer,

se por um acaso combinas comigo da gente se encontrar às 7:00,
6:30 eu estou a meia hora do lugar combinado,

se digo 'sim',
orgulho ou burrice,
não a jeito de me fazer dizer 'não'

veja, não é culpa minha, é sem querer.
sou pedra, tronco de madeira maciça,
sou tão velho quanto a terra em que pisamos.

pra longe com esse martelo e esse machado afiado,
me despedaçar não vai nos ajudar.

no meu profundo há uma ânsia de vento,
água, fluido,

quero ser novo,
maleável,
pra entrar e sair dos seus poros
demarcar lugar e me formar conforme a necessidade

sem me estrepar,

sem te estrepar...

que é o que vejo acontecer com tantos outros pares.

haverá maneira de ser menos Pedro, a pedra?
sorte ou azar,
nessa aula não pude estar.

quinta-feira, 24 de setembro de 2015

Alvorecer

à noite, em sonho, alvoreço

percorro curvas de um corpo desconhecido
enquanto martela na cabeça as letras de um certo punhal de prata.

sem muito esperar, mas sem muito pedir em troca

ó, mote cruel ocidental!
quero agora e sem demora.

preciso talvez de mais 30 anos
pra sentar e ver o mato crescer
só pra depois entender e saber alvorecer

assim como é quando durmo.
como é que se chega lá?


à noite, quando sonho
de novo o corpo está,

não-inerte, nada inerte

pegando fogo
ardendo em sangue nas veias

em sua dança frenética pude ver
(num colar, talhado em aço
em letras macarrônicas)
Diana também alvorecer.

terça-feira, 5 de maio de 2015

Alta madrugada

A tristezura do contente,
E a contenteza do triste,
Opostos da mesma moeda:
A vida.

Baby, a paixão, a frase,
A manhã, o amanhã:
Nenhum pediu pra nascer.

Você levantou, acendeu o cigarro e riu:
"sua filosofia barata ainda lhe sai caro"

terça-feira, 23 de setembro de 2014

Poema do vagabundo

Se eu disser que cinquenta por cento de mim é ciência,
Vinte e cinco é música e o resto é vagabundagem,
Vou ser tratado com hostilidade?

Também vou poder comer
Um pedaço do grande bolo que está no forno,
Se disser que desprezo o sentido convencional do trabalho?

Será que meu tio coronel ainda vai me achar cidadão de bem,
Se lhe disser que além de não votar no Bolsonaro
E ser contra a pena de morte,
Desejo passar o resto da vida acumulando conhecimento?

E meu pai,
Que já virava massa de cimento com metade da minha idade,
O que ele vai pensar quando eu lhe disser
Que quero mesmo é sentar e discutir ideias,
Formular hipóteses, testá-las e falhar
Só pra depois fazer tudo de novo?

Ora, perdoem-me
E saibam de antemão:
Quero mesmo é tocar pandeiro e encher umas folhas de equação.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Afro-qualquer-coisa

Macumba não é Umbanda, que não é Quimbanda,
Que não é Candomblé, que não é Batuque,
Que não é Santería, que não é Capoeira,
Que não é Maculelê, que não é Maracatu,
Que por sua vez não é Tambor de Mina,
Que não é Tambor de Crioula, que não é Jongo,
Que não é Umbigada, nem Semba, que nada tem de Rumba.

Ilú não é atabaque, que não é ngoma, que não é batá,
Que por sua vez nada tem de conga.
O Lê não é Candongueiro, Rumpi não é Caxambú,
Nem o Rum é Tambú.

Oxalá não é Jesus, que não é Tupã,
Que não é Jeová, que não é Maomé,
Que, comigo, nada tem em comum.

Mas, que, no final das contas, são tudo a mesma coisa.

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Latim, língua morta

E pur si muove - Galileo Galilei

Cogito ergo sum - René Descartes

In nomine patris et filii et spiritus sancti - Padre saudosista



Dia desses ainda te encontrum na rua,
Quero te ruborizar a face quando disparar:
"Ainda querum ser patris de vosso filii"

Não precisa responder nada,
Ouça e assim fica tudo bem.

Em língua viva ou morta:
Numquam faz bem guardar pra sempre
Coisas que precisam mesmo sair por aí.